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Artigo Original

Análise do perfil dos pacientes e das dermatoses abordadas em mutirão de cirurgia dermatológica: a importância do dermatologista na saúde pública

José Antônio Jabur da Cunha1; Luiz Perez Soares2; Ricardo Bertozzi de Avila3; Thais Storni Ragazzo3; John Verrinder Veasey4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2017931079

Data de recebimento: 01/08/2017
Data de aprovação: 27/09/2017
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

Introdução: A saúde pública no Brasil apresenta demanda de procedimentos dermatológicos superior à atual oferta, resultando em fila de espera de pacientes com dermatoses a abordar cirurgicamente. Foi realizado mutirão de procedimentos cirúrgicos em serviço terciário de atendimento público para reduzir essa fila, sendo os dados dos pacientes e suas lesões aqui apresentados. Objetivo: Analisar o perfil dos pacientes que aguardam a realização de procedimentos dermatológicos bem como suas dermatoses. Métodos: Realizou-se análise descritiva simples do perfil dos pacientes, de suas dermatoses abordadas e dos procedimentos realizados. Resultados: Foram atendidos 31 pacientes com idade entre 21 e 95 anos (média de 63,7 anos), sendo 17 (54,83%) do sexo feminino e 14 (45,17%) do sexo masculino. Foram abordadas 38 lesões, sendo 21 neoplásicas (carcinomas e melanoma), oito pré-neoplásicas (queratoses actínicas) e nove não neoplásicas (nevos, queloide e neurofibroma). Conclusões: Este artigo torna-se relevante por identificar casos e pacientes que aguardam procedimentos cirúrgicos dermatológicos no serviço público. Com ele, estratégias de saúde pública na área dermatológica podem ser mais bem programadas, além de destacar a importante ação do dermatologista na saúde pública diagnosticando e tratando lesões pré-neoplásicas e neoplásicas.


Keywords: DERMATOLOGIA; HOSPITAIS DE DERMATOLOGIA SANITÁRIA DE PATOLOGIA TROPICAL; ADMINISTRAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA; ESTUDOS POPULACIONAIS EM SAÚDE PÚBLICA; SAÚDE PÚBLICA; NEOPLASIAS EPITELIAIS E GLANDULARES; MELANOMA; CARCINOMA BASOCELULAR; CARCINOMA


INTRODUÇÃO

A saúde pública no Brasil oferece atendimento universal e gratuito a todos os seus habitantes. A demanda da população, entretanto, ultrapassa o número de vagas oferecidas pelos serviços de atenção à saúde nos três níveis de complexidade: primário, secundário e terciário.1

Na dermatologia, o envelhecimento da população nos últimos anos, associado ao aumento progressivo da incidência de lesões neoplásicas cutâneas, corrobora o aumento da demanda de procedimentos cirúrgicos dermatológicos na saúde pública. Tais fatores acarretam uma reconhecida fila de espera de pacientes tanto para se consultar com médicos dermatologistas quanto para realizar procedimentos cirúrgicos dermatológicos.1-3

O câncer da pele é o câncer mais frequente no Brasil e corresponde a 30% de todos os tumores malignos registrados no país. É mais comum em pessoas com mais de 40 anos e apresenta altos percentuais de cura, se for detectado precocemente. Entre os tumores da pele, o tipo não melanoma é o de maior incidência e mais baixa mortalidade. Estima-se em 2016 o total de 175.760 novos casos, sendo 80.850 em homens e 94.910 em mulheres.2-4

Atualmente na cidade de São Paulo são solicitados 16 mil pedidos de consultas dermatológicas por mês com suspeita de casos de câncer da pele. A capacidade de atendimento na cidade é de cerca de 10 mil por mês, acarretando uma fila de 65 mil casos que esperam a consulta durante cerca de seis meses.1 E quando ela é realizada não há necessariamente absorção imediata desses casos pela resolução cirúrgica.

Na tentativa de diminuir o tempo de espera dos pacientes com diagnóstico de câncer da pele que aguardam uma abordagem cirúrgica são organizados mutirões que concentram em um dia um alto número de procedimentos dermatológicos. Em agosto de 2017 foi realizado um deles em um hospital terciário da cidade de São Paulo. O perfil dos pacientes e o de suas dermatoses foram identificados a fim de melhor caracterizar os aspectos da fila de espera e assim auxiliar a atuação da saúde pública na área da dermatologia.

 

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal descritivo analisando os casos atendidos em um dia de mutirão realizado em agosto de 2017 em hospital terciário da cidade de São Paulo. Todos os pacientes já haviam sido atendidos por dermatologistas e tiveram suas lesões diagnosticadas clínica e/ou histopatologicamente. Aguardavam em uma lista de espera a vaga para ter suas lesões abordadas cirurgicamente. Foram convocados por telefone os primeiros 31 pacientes da fila de espera da cirurgia dermatológica do referido hospital. Casos de maior complexidade não foram convocados para esse mutirão uma vez que demandariam maior participação de outras especialidades, uso de centro cirúrgico não ambulatorial e mais tempo de permanência em sala e em recuperação pós-cirúrgica.

Todos os casos foram abordados em centro cirúrgico ambulatorial por dois médicos dermatologistas e sete médicos residentes e estagiários do programa de dermatologia do hospital, que se revezaram em três salas cirúrgicas (Figura 1). Os pacientes assinaram termo de consentimento cirúrgico, tiveram alta logo após o término do procedimento, e foram agendados em retorno de pós-operatório para retirada de pontos e seguimento dermatológico. Todos os pacientes evoluíram sem qualquer complicação pós-cirúrgica em seu seguimento.

 

RESULTADOS

Foram atendidos 31 pacientes com idade entre 21 e 95 anos (média de 63,7 anos), sendo 21 (67,74%) acima de 60 anos; 17 (54,83%) eram do sexo feminino e 14 (45,17%) do sexo masculino. Esses pacientes apresentavam 38 lesões a abordar, sendo 21 neoplásicas. Essas neoplasias se constituíam de 18 (47,36% do total de lesões abordadas) carcinomas basocelulares (CBC), dois (5,26%) carcinomas espinocelulares (CEC) e um (2,63%) melanoma maligno. Foram também tratadas oito lesões pré-neoplásicas (21,05%), todas elas queratoses actínicas (QA). Nove lesões não neoplásicas também foram abordadas cirurgicamente: sete nevos (18,4%), um neurofibroma e um queloide (2,63% cada um). As lesões mediam entre 0,3 e 3cm, e a maioria se apresentava em área fotoexposta, com apenas quatro lesões em áreas cobertas (Figuras 2 e 3).

Dos procedimentos realizados 26 (68,42%) foram exérese completa da lesão: 18 com margem de segurança, dos quais, 23 com síntese cirúrgica, fechamento direto e pontos simples, um com fechamento por segunda intenção (granulação) e apenas um com necessidade de retalho. Foram realizados 10 procedimentos de curetagem (26,31%), sete deles com complementação da técnica no leito da ferida operatória com eletrocauterização ou crioterapia com nitrogênio líquido. Na lesão de queloide foi realizada cirurgia por método de debulking (2,63%), e um paciente com queratoses actínicas foi tratado exclusivamente com crioterapia (2,63%) (Figura 4). Todas as peças cirúrgicas removidas dos pacientes, exceto o queloide, foram enviadas para análise histopatológica.

Os dados detalhados constam na tabela 1.

 

DISCUSSÃO

O perfil epidemiológico dos pacientes atendidos identificou uma média de idosos, com discreta predileção pelo sexo feminino. À constatação de que a maioria das lesões abordadas é neoplásica (63,15%) conclui-se que os pacientes à espera de abordagem dermatológica cirúrgica não podem aguardar longos períodos para realizar seu tratamento, visto que a evolução dessas dermatoses é desfavorável com o passar dos meses. Muitas vezes uma lesão abordada em tempo próximo ao seu diagnóstico com um pequeno procedimento pode evoluir de maneira desfavorável e requerer tardiamente uma abordagem que acarreta não só cicatrização desfigurante, como evolução oncológica metastatizante.

Com a liberação dos laudos histopatológicos notou-se discordância diagnóstica em cinco lesões que foram abordadas por curetagem: duas consideradas QA eram na realidade CEC, e uma considerada CEC resultou em QA. O procedimento de eleição nesses casos foi a curetagem, em virtude da idade e comorbidade dos pacientes que impediam outras formas de abordagem, considerando-se ainda que todos manterão seguimento clínico ambulatorial que permitirá análise posterior de recidiva precoce. Além dessas lesões houve o diagnóstico de um colagenoma em lesão considerada névica; por se tratar de lesão benigna totalmente excisada não há mais considerações sobre o caso. Também houve uma lesão com hipótese de CBC que foi excisada com margem e apresentou diagnóstico anatomopatológico de QA.

Deve-se considerar que, devido ao fato de o presente estudo ter sido realizado em hospital terciário, os casos com indicação cirúrgica se originam não só da demanda do próprio serviço, mas também dos encaminhados por outros serviços, de atendimento primário e secundário da região. Essa demanda exacerbada não é compatível com a disponibilidade da equipe de cirurgia dermatológica, acarretando fila de espera atual no hospital de 165 pacientes que aguardam até três meses para a abordagem cirúrgica. Ao se constatar que mais de ¾ de todas as lesões abordadas eram neoplásias ou pré-neoplásias, fica evidente a importância da atuação do médico dermatologista na oncologia cutânea, área da dermatologia sanitária que compreende também as dermatoses ocupacionais, hansenologia e infecções sexualmente transmissíveis.

Algumas ações têm sido desenvolvidas para amenizar a fila de espera de atendimentos dermatológicos da saúde pública, como o uso da teledermatologia, que alia tecnologias da comunicação e informática às práticas dermatológicas de modo a diminuir a necessidade do encontro face a face entre o paciente e o especialista, garantindo um efetivo planejamento de saúde.5,6 A abordagem cirúrgica dos pacientes, entretanto, não pode fazer uso desse mecanismo, sendo necessária a atuação presencial do dermatologista. A contratação de mais dermatologistas para o corpo clínico dos setores públicos é essencial para a resolução do problema, além de fornecer estrutura física, equipe paramédica e material propício à realização dos procedimentos. Na ausência dessa possibilidade, mais onerosa para o Estado, a realização de mutirões torna-se uma maneira de reduzir a fila de espera de procedimentos dermatológicos.

O fato de todos os procedimentos terem sido realizados em regime ambulatorial sob anestesia local mostra que não há necessidade da utilização de centros cirúrgicos centrais para a realização da maioria das cirurgias dermatológicas, reduzindo consideravelmente os gastos da instituição e agilizando a agenda cirúrgica do serviço.3

 

CONCLUSÕES

Este trabalho torna-se relevante por identificar os casos de pacientes que aguardam atendimento dermatológico no serviço público, na cidade de São Paulo. Com ele, estratégias de saúde pública na área dermatológica podem ser mais bem programadas, além de destacar a importante ação do dermatologista na saúde pública diagnosticando e tratando lesões pré-neoplásicas e neoplásicas.

 

PARTICIPAÇÃO NO ARTIGO:

José Antônio Jabur da Cunha:

Concepção e planejamento do estudo, Participação efetiva na orientação da pesquisa, Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Aprovação da versão final do manuscrito.

Luiz Perez Soares:

Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados

Ricardo Bertozzi de Avila:

Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Obtenção, análise e interpretação dos dados.

Thais Storni Ragazzo:

Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Obtenção, análise e interpretação dos dados.

John Verrinder Veasey:

Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito.

 

Referências

1. G1.globo.com [Internet]. Prefeitura de SP lança programa de diagnóstico virtual para reduzir espera por consulta dermatológica. [acesso 30 ago 2017]. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/prefeitura-de-sp-lanca-programa-de-diagnostico-virtual-para-reduzir-espera-por-consulta-dermatologica.ghtml

2. Weimann ETS, Silvino TST, Matos LS, Simião AL, Costa A. Delineamento epidemiológico dos casos de melanoma cutâneo atendidos em um hospital terciário de Campinas, São Paulo, Brasil. Surg Cosmet Dermatol 2014;6(3):2626.

3. Souza RJS, Mattedi AP, Corrêa MP, Rezende ML, Ferreira ACA. An estimate of the cost of treating non-melanoma skin cancer in the state of São Paulo, Brazil. An Bras Dermatol. 2011;86(4):657-62.

4. Inca.gov.br [Internet]. Pele não melanoma. [acesso 30 ago 2017]. Disponível em: http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home/pele_nao_melanoma

5. Miot HA, Paixão MP, Wen CL. Teledermatology - Past, present and future. An Bras Dermatol. 2005;80(5):523-32.

6. Piccoli MF, Amorim BDB, Wagner HM, Nunes DH. Protocolo de Teledermatologia para triagem do câncer da pele. An Bras Dermatol. 2015;90(2):205-13.

 

Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia da Santa Casa de São Paulo.


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