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Hidroquinona: vilã ou heroína?

Leandra d'Orsi Metsavaht

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20179301

Data de recebimento: 25/05/2017
Data de aprovação: 30/7/2017
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

A hidroquinona é usada como agente clareador há mais de 50 anos, e, nos últimos 20, suas segurança e toxicidade têm sido questionadas. Nesta revisão bibliográfica, pode-se verificar que seu potencial carcinogênico e mutagênico não foi comprovado até hoje em humanos. Além disso, estamos muito mais expostos à hidroquinona do que imaginamos, tanto em compostos cosméticos (por exemplo, tinturas de cabelos) quanto em alimentos, como a pera, bebidas e o café. Portanto, sua prescrição como despigmentante em concentrações de até 4% é segura e sem consequências sistêmicas.


Keywords: HIDROQUINONA; TOXICIDADE; MELASMA; SEGURANÇA


INTRODUÇÃO

A hidroquinona é composto fenólico, aromático, usado como despigmentante há mais de 50 anos. Também está presente em cosméticos, como, por exemplo, em tinturas de cabelos, com múltiplas funções quando em baixas concentrações (até 2%), como antioxidante, fragrância e inibidora de polimerização. Também funciona como agente redutor para produções fotográficas. Assim, está presente no dia a dia de grande parte da população, principalmente a feminina. A toxicologia e a segurança da hidroquinona têm sido investigadas desde 1986 pelo Cosmetic Ingredient Review (CIR). O alvo das revisões é o seu potencial carcinogênico. Segundo a avaliação feita pela International Agency for Research on Cancer (IARC) em 1999 sobre o seu risco carcinogênico aos humanos, a hidroquinona não é classificável quanto à sua carcinogenicidade para os seres humanos (Grupo 3).1 Em estudo sobre a sua segurança em 2006, Nordlund et al demonstraram que não existe risco de malignidade e que o risco de ocronose é baixo com o uso de hidroquinona sob prescrição e supervisão médicas.2

 

HISTÓRIA

A capacidade clareadora da hidroquinona foi notada inicialmente em gatos por Oettel em 1936. Na década de 1950, a substância era comercializada como protetor solar e fortuitamente foi notado seu potencial despigmentante. Não muito tempo depois, estava disponível em alguns lugares dos EUA como agente tópico, quando se passou a notar a sua ação clareadora na pele humana. Spencer em 1961 fez o primeiro estudo usando hidroquinona nas concentrações de 2,3 e 5% duas vezes ao dia, durante três meses no dorso das mãos de homens brancos com lentigo solar. Os resultados demonstraram ser dose-dependentes, com recidiva quando o tratamento foi suspenso. Em 1998, num estudo não randomizado do uso de hidroquinona 4% com protetor solar de amplo espectro mostrou melhora em 89,5% dos pacientes. Em 2000, Ennes et al. fizeram um estudo comparativo da hidroquinona 4% com placebo no tratamento do melasma, encontrando em 38% dos pacientes resposta inicial completa contra 8% dos pacientes em uso de placebo.3

 

FARMACOLOGIA

A hidroquinona (1,4 dihidroxibenzeno) é um derivado fenólico que age na inibição da tirosinase, possivelmente pela ligação com essa enzima ou pela interação com moléculas de cobre no seu sítio de ligação, levando à alteração do melanossomo e ao aumento de sua destruição, além de talvez até a inibição da síntese de DNA e RNA.3

 

ABSORÇÃO DA HIDROQUINONA

Podemos assumir que a exposição à hidroquinona ao longo da vida não é uma questão preocupante. A exposição à hidroquinona em creme a 4% durante seis meses usada de forma abundante (digamos que seis tubos de 56,8g contenham 13,6g de hidroquinona, dos quais metade é absorvida, (perfazendo 6,8g) é comparável à exposição ao longo da vida à hidroquinona do café (62g/xícara X 1 xícara por dia X 365 dias/ano X 40 anos = 0,9g) ou peras (2500 g/pera X 1 pera/semana X 52 semanas/ano X 10 anos = 1,3g). O que pode ser ainda mais significativo é que os humanos têm excreção basal de 115,4g/h ou 2770g/dia de hidroquinona sem exposição aos agentes clareadores. Ao longo de 60 anos, essa quantidade vai para 61g de hidroquinona na urina, que presumidamente encontrou seu caminho de excreção após exposição sistêmica, como por meio de alimentos.4

 

TOXICIDADE E SEGURANÇA DA HIDROQUINONA

Na última década tem havido uma grande preocupação sobre o uso de hidroquinona tópica, pela falta de estudos clínicos que estejam de acordo com as novas normas federais dos Estados Unidos e pelos riscos da terapia que têm sido percebidos. A ocronose, uma descoloração azul-esbranquiçada, tem sido notada na população negra da África do Sul. Nos Estados Unidos a ocronose é bem menos frequente. Uma explicação para esse fenômeno é o fato de que a hidroquinona em concentrações superiores a 8% pode ser encontrada em formulações OTC (over the counter), fora dos Estados Unidos. Esse acesso descontrolado a altas concentrações por período prolongado pode aumentar o risco de efeitos adversos relacionados a essa medicação. Além disso, essas formulações podem conter outras substâncias, como resorcinol, suco de limão, mercúrio, potassa, esferas de cânfora esmagadas, peróxidos e cloretos, que podem contribuir para o desenvolvimento de ocronose.5-8

Em 1982 o Food and Drug Administration (FDA) determinou inicialmente que a hidroquinona seria segura e eficaz o suficiente para ser vendida nas concentrações de 1,5 a 2%. Em 2006, todavia, o FDA anunciou que alteraria sua posição, indicando que as formulações OTC no comércio contendo hidroquinona e produtos sob prescrição que não tivessem sido estudados originalmente como drogas deveriam ser submetidos como "novas drogas", com estudos clínicos, ou seriam retiradas do mercado. A única preparação que essa regra não afeta é a fórmula tripla, porque chegou ao mercado como droga investigada por estudos clínicos.9,10 Há várias razões para essas preocupações do FDA, como absorção sistêmica, ocronose e carcinogênese induzida por droga. A União Europeia baniu a hidroquinona de produtos cosméticos em 2001, embora ela ainda seja vendida sob prescrição médica.5

Uma das preocupações sobre a hidroquinona é o seu potencial risco de produção de derivado benzeno após a metabolização hepática. Esses derivados causariam toxicidade à medula óssea e teriam um efeito antiapoptótico. Quando aplicada na pele, porém, a hidroquinona se desvia da rota hepática, e sua principal via de excreção é renal, através de moléculas hidrossolúveis. Outra preocupação é sobre o risco de desenvolvimento de adenoma renal por causa dos metabólitos potencialmente tóxicos. Além disso, não há nenhum relato de neoplasias da pele ou de órgãos internos com o uso tópico de hidroquinona desde meados do século 20.5

A hidroquinona é componente comumente encontrado em alimentos e bebidas, como café, chá, frutas, vinho tinto, trigo e casca da pera. Estudo controlado com trabalhadores que lidam diretamente com hidroquinona, produzindo a substância ou expostos a grande quantidade dela, não mostrou nenhuma evidência de morte prematura ou malignidades. Hidroquinona oral ou injetável em animais também não demonstrou ser carcinogênica nem provocou alterações na medula óssea. Em estudo sobre a segurança da hidroquinona em 2006, Nordlund et al. demonstraram que não existe risco de malignidade e que é baixo o risco de ocronose com o uso de hidroquinona sob prescrição e supervisão médicas.2

 

EFICÁCIA DA HIDROQUINONA

Amer em 1998 avaliou a eficácia de hidroquinona 4% associada a um fotoprotetor de amplo espectro em pacientes com diversas desordens de pigmentação. Dos 70 pacientes que entraram no estudo, 50 tinham melasma, 10 efélides, e 10 hiperpigmentação pós-inflamatória. O estudo demonstrou resposta boa a excelente de 89,5% do pacientes com melasma. Esses resultados devem ser vistos com parcimônia, uma vez que esse estudo não foi controlado nem randomizado. Haddad et al. desenvolveram estudo randomizado, duplo-cego e controlado com 30 pacientes portadores de melasma, comparando um complexo cutâneo clareador (skin whitening complex - SWC), que o estudo falha ao não informar do que se trata, e hidroquinona 4%. Houve melhora em 76,9% dos pacientes tratados com hidroquinona. Hurley et al., testando o peeling de ácido glicólico em 21 pacientes hispânicas, concluíram que a monoterapia com hidroquina 4% com fotoprotetor diário não só melhora o melasma, como também tem eficácia igual à do tratamento associado aos peelings. Tem sido recomendado nos Estados Unidos o uso de hidroquinona com concentrações superiores a 2% somente sob prescrição médica e aplicada duas vezes ao dia. Se não houver melhora em dois meses a recomendação é de que se suspenda o tratamento, apesar de alguns casos só mostrarem melhora após seis meses de uso. A maior parte dos efeitos adversos, como irritação, eritema e descamação, pode estar relacionada à utilização excessiva do produto ou ao seu mau uso e até mesmo ao uso de sabonete inadequado ou ao ato de esfregar demais a pele.11

 

CONCLUSÃO

As leis americanas de regulamentação de drogas sofreram alterações ao longo dos anos, impondo testes de segurança e eficácia a drogas bastante antigas, usadas há mais de 50 anos. A indústria farmacêutica não tem interesse econômico em financiar esses estudos. Os efeitos mutagênicos e carcinogênicos da hidroquinona não foram provados até hoje. O pior efeito colateral publicado da hidroquinona tópica é a ocronose, que é rara na América do Norte, porém bastante frequente na África, onde é comercializada em altas concentrações, como a 8%, além de estar em associações que facilitam esse efeito colateral, como com a resorcina. O estudo de Jacob Levitt, publicado no Journal of the American Academy of Dermatology em 2007, apresenta amplo embasamento científico e mostra a segurança da hidroquinona. Lewitt é dermatologista e também vice-presidente da Taro Pharmaceuticals, que produz uma hidroquinona 4%, e seu conflito de interesses é abertamente declarado, uma vez que existem regulamentações severas nos EUA. Diante desta revisão das publicações sobre segurança e toxicicidade, podemos assumir que a hidroquinona é segura se usada na concentração adequada, sob prescrição e acompanhamento médicos. A fórmula tripla é a formulação com hidroquinona que mostrou eficácia e segurança comprovadas em estudos controlados, duplo-cegos e randomizados. Considerar a manutenção com doses baixas de hidroquinona e o uso de outros despigmentantes na manutenção do melasma.

 

DECLARAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO:

Leandra d'Orsi Metsavaht:

Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados

 

Referências

1. McGregor D. Hydroquinone: an evaluation of the human risks from its carcinogenic and mutagenic properties. Crit Rev Toxicol. 2007;37(10):887-914.

2. Nordlund JJ, Grimes PE, Ortonne JP. The safety of hydroquinone. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2006;20(7):781-7.

3. Sheth VM, Pandya AG. Melasma: a comprehensive update: part I. J Am Acad Dermatol. 2011;65(4):689-97.

4. Levitt J. The safety of hydroquinone: a dermatologist's response to the 2006 Federal Register. J Am Acad Dermatol. 2007;57(5):854-72.

5. National Toxicology Program. Hydroquinone. Supporting Information for Toxicological evaluation [Internet]. Washington: Department of Health and Human Services; 2009 [cited 2017 Sep 27]. Available from: https://ntp.niehs.nih.gov/ntp/noms/support_docs/hydroquinone_may2009.pdf

6. Findlay GH, Morrison JG, Simson IW. Exogenous ochronosis and pigmented colloid milium from hydroquinone bleaching creams. Br J Dermatol. 1975;93(6):613-22.

7. Fisher AA. Exogenous ochronosis from hydroquinone bleaching cream. Cutis. 1998;62(1):11-2.

8. Levin CY, Maibach H. Exogenous ochronosis. An update on clinical features, causative agents and treatment options. Am J Clin Dermatol. 2001;2(4):213-7.

9. Torok HM, Jones T, Rich P, Smith S, Tschen E. Hydroquinone 4%, tretinoin 0,05%, fluocinolone acetonide 0,01%: a safe and efficacious 12- month treatment for melasma. Cutis. 2005;75(1):57-62.

10. Taylor SC, Torok H, Jones T , Lowe N, Rich P, Tschen E, et al. Efficacy and safety of a new triple-combination agent for the treatment of facial melasma. Cutis. 2003;72(1):67-72.

11. Gupta AK, Gover MD, Nouri K, Taylor S. The treatment of melasma: a review of clinical trials. J Am Acad Dermatol. 2006;55(6):1048-65.

 

Trabalho realizado no Instituto Brasil de Tecnologias da Saúde (Ibts) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.


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