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Artigo Original

Tratamento cirúrgico e seguimento a longo prazo das micoses subcutâneas causadas por fungos demáceos: cromoblastomicose, feoifomicose e eumicetoma

John Verrinder Veasey1; José Antonio Jabur da Cunha2; Marina Pipa3; Carla Russo Zukanovich Funchal4; Rute Facchini Lellis5

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201791944

Data de recebimento: 08/12/2016
Data de aprovação: 24/01/2017
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: As micoses subcutâneas provocadas por fungos demáceos (MSCFD)são classificadas conforme sua apresentação no tecido: cromoblastomicose com presença de corpúsculos fumagoides, feoifomicose com hifas septadas demáceas e eumicetoma com grãos compostos por hifas septadas demáceas. Diversos tratamentos são propostos, entre eles a exérese cirúrgica. O tratamento cirúrgico é mais indicado nos casos em que há infecção localizada e passível de exérese, com bons resultados terapêuticos e baixa taxa de recidiva.
Objetivo: Apresentar a experiência de um serviço dermatológico no tratamento cirúrgico dos casos de MSCFD, discutindo as abordagens cirúrgicas e seus resultados.
Métodos: Estudo retrospectivo com análise descritiva dos casos atendidos no período de abril de 2014 a dezembro de 2016 em clínica dermatológica da cidade de São Paulo. Foram incluídos todos os casos com diagnóstico de MSCFD que foram submetidos à terapêutica cirúrgica com exérese total da lesão.
Resultados: Foram totalizados sete casos: dois de eumicetoma, um de cromoblastomicose e quatro de feoifomicose. De todos os casos apenas um não foi abordado em regime de centro cirúrgico ambulatorial. Todos evoluíram sem sequelas e sem recidivas no seguimento clínico.
Conclusões: A remoção da lesão cutânea é um boa opção terapêutica nos casos de MSCFD em que o procedimento cirúrgico for viável.


Keywords: CROMOBLASTOMICOSE; FEOIFOMICOSE; INFECÇÕES BACTERIANAS E MICOSES; MICOSES; MICETOMA; PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS AMBULATORIAIS; PROCEDIMENTOS MÉDICOS E CIRÚRGICOS DE SANGUE; HISTOLOGIA; TERAPÊUTICA


INTRODUÇÃO

Micoses subcutâneas são infecções fúngicas localizadas nas camadas profundas da pele. Podem ser causadas tanto por fungos hialinos, sem pigmentos em sua estrutura, quanto por fungos demáceos, que apresentam melanina em sua parede celular.1,2 Os fungos demáceos se encontram dispersos por todo o planeta, com predileção pelas áreas tropicais, habitando o solo e vegetais (fungos geofílicos).3-5

As micoses subcutâneas provocadas por fungos demáceos (MSCFD) são classificadas conforme sua apresentação no tecido: cromoblastomicose com presença de corpúsculos fumagoides, feoifomicose com hifas septadas demáceas e eumicetoma com grãos compostos por hifas septadas demáceas.1,6 Essas estruturas podem ser visualizadas pelo exame micológico direto de material da lesão ou pela análise de biópsia do tecido ao exame histopatológico. A cultura de fungos é necessária para determinar a espécie do agente.2,3,6,7

Diversos tratamentos são propostos nesses casos, desde o uso de antifúngicos até termoterapia e exérese cirúrgica. A escolha entre essas terapêuticas é definida com análise de diversos fatores, tais como manifestação da lesão, condições clínicas e comorbidades do paciente, além da disponibilidade do tratamento no momento do atendimento.2,4,8-10

O objetivo deste trabalho é apresentar a experiência de uma clínica dermatológica da cidade de São Paulo, no tratamento cirúrgico dos casos de MSCFD, discutindo suas abordagens cirúrgicas e resultados.

 

MÉTODOS

Foi realizado um estudo retrospectivo com análise descritiva dos casos atendidos no período de abril de 2014 a dezembro de 2016, em uma clínica terciária de dermatologia da cidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. Foram incluídos todos os casos com diagnóstico de MSCFD submetidos à terapêutica cirúrgica com exérese total da lesão.

 

DESCRIÇÃO DOS CASOS

O caso 1 foi de eumicetoma tratado inicialmente com antifúngicos durante 24 meses, sem sucesso. Abordado cirurgicamente pela equipe da cirurgia plástica, evoluiu com cura (Figura 1). O caso 2 apresentava lesão nodular que foi prontamente removida após o diagnóstico de eumicetoma (Figura 2). O caso 3, cromomicose localizado no joelho do paciente, não foi abordado em único momento cirúrgico devido à possibilidade de deiscência: foram realizadas três sessões, com excelente resultado final (Figura 3).

Os casos 4, 5 e 6 apresentavam lesões semelhantes entre si, facilmente removíveis pela abordagem cirúrgica. Os casos 4 e 5 manifestavam lesões císticas nos pés, clássicas de feoifomicose (Figuras 4 e 5). No caso 4 houve tentativa de terapia medicamentosa prévia ao procedimento, sem qualquer resposta. O caso 6 apresentava tumor sólido próximo ao joelho (Figura 6) que foi abordado com exérese total da lesão (biópsia excisional em fuso). Esse paciente apresentava outras lesões císticas de feoifomicose nos membros não abordáveis cirurgicamente que foram tratadas com antifúngicos após a biópsia, o que explica o tempo prolongado de medicação após a abordagem.

O caso 7 apresentava múltiplas lesões de feoifomicose em dorso de mão, pois o paciente utilizava espinhos de plantas para perfurar lesões no dorso da mão, inoculando novas hifas demáceas com este hábito; foram realizadas diversas sessões de exérese com agulha estéril até alcançar a cura (Figura 7).

 

RESULTADOS

Foram totalizados sete casos: dois de eumicetoma, um de cromoblastomicose e quatro de feoifomicose. De todos, apenas um não foi abordado em regime de centro cirúrgico ambulatorial. Nenhum apresentou recidiva após as abordagens cirúrgicas; as características dos sete casos estão detalhadas no quadro 1. Os diagnósticos foram definidos pela associação das apresentações clínicas, isolamento dos agentes etiológicos e pela morfologia apresentada nos tecidos ao exame histopatológico.

Todos evoluíram sem sequelas e sem recidivas no seguimento clínico.

 

DISCUSSÃO

Atualmente, o tratamento das MSCFD pode ser dividido em medicamentoso e/ou cirúrgico. O tratamento cirúrgico é mais indicado nos casos em que há infecção localizada e passível de exérese.1,10 O tratamento medicamentoso, apesar de muito utilizado, deve ser instituído com cautela, visto que a terapia é prolongada, e os pacientes portadores de MSCFD frequentemente apresentam idade avançada e doenças que por si só necessitam de medicamentos de uso diário.3,8

Nos casos aqui apresentados a remoção cirúrgica se mostrou opção segura. Não observamos nenhuma complicação perioperatória como infecção, deiscência ou formação de coleções. Além disso, apesar da idade avançada ou imunossupressão associada à maioria dos casos, não observamos qualquer complicação clínica decorrente do ato operatório. Com exceção do caso 1 (Figura 1), todos os pacientes foram operados em regime ambulatorial sob anestesia local, o que simplificou o tratamento e reduziu consideravelmente a morbidade e o risco do procedimento.

A manipulação cirúrgica das MSCFD, independentemente da associação ou não de terapia antifúngica sistêmica, não predispôs à disseminação ou implantação do agente infeccioso. No período de seguimento clínico que variou de 14 a 70 meses (média de 38,4 meses), não foram observadas novas lesões no local da abordagem cirúrgica.

Devido à multiplicidade das apresentações clínicas, as técnicas cirúrgicas empregadas variaram conforme a necessidade de cada caso. Os casos caracterizados por nódulos ou cistos subcutâneos (casos 2, 4 e 5) encontravam-se bem delimitados, o que facilitou a dissecção e remoção completa da lesão. Os casos com aspecto tumoral (casos 3 e 6) foram removidos por excisões em fuso e fechamento direto. Devido ao tamanho e localização anatômica da lesão do caso 3 optou-se pela excisão em três etapas. Essa abordagem não desencadeou a implantação cutânea do agente ou qualquer outra complicação pós-operatória.

 

CONCLUSÃO

Em nossa experiência o tratamento cirúrgico mostrou-se opção efetiva, simples e segura nos casos em que a infecção encontra-se anatomicamente delimitada. A toxicidade dos agentes antifúngicos associada ao perfil clínico/imunológico do paciente habitualmente acometido faz da cirurgia ótima opção terapêutica, que deve ser considerada primeira escolha sempre que a remoção cirúrgica for viável.

 

Referências

1. Hoffmann CC, Danucalov IP, Purim KSM, Queiroz-Telles F. Infecções causadas por fungos demácios e suas correlações anátomo-clinicas. An Bras Dermatol. 2011;86(1):138-41.

2. Revankar SG. Phaeohyphomycosis. Infect Dis Clin North Am. 2006;20(3):609-20.

3. Nenoff P, van de Sande WW, Fahal AH, Reinel D, Schöfer H. Eumycetoma and actinomycetoma - an update on causative agents, epidemiology, pathogenesis, diagnostics and therapy. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2015;29(10):1873-83.

4. Correia RTM, Valente NYS, Criado PR, Martins JEC. Cromoblastomicose: relato de 27 casos e revisão da literatura. An Bras Dermatol. 2010;85(4):448-54.

5. Zijlstra EE, van de Sande WW, Welsh O, Mahgoub ES, Goodfellow M, Fahal AH. Mycetoma: a unique neglected tropical disease. Lancet Infect Dis. 2016;16(1):100-12.

6. Wong EH, Revankar SG. Dematiaceous molds. Infect Dis Clin North Am. 2016;30(1):165-78.

7. Revankar SG, Sutton DA. Melanized fungi in human disease. Clin Microbiol Rev. 2010;23(4):884-928.

8. Oliveira WRP, Borsato MFL, Dabronzo MLD, Festa Neto C, Rocha LA, Nunes RS. Feoifomicose em transplante renal: relato de dois casos. An Bras Dermatol. 2016;91(1):93-6.

9. Welsh O, Al-Abdely HM, Salinas-Carmona MC, Fahal AH. Mycetoma medical therapy. PLOS Negl Trop Dis 2014;8(10):e3218

10. Silveira F, Nucci M. Emergence of black moulds in fungal disease: epidemiology and therapy. Curr Opin Infect Dis. 2001;14(6):679-84.

 

Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia da Santa Casa de São Paulo – São Paulo (SP), Brasil.


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